domingo, 6 de fevereiro de 2022

COM OLHOS DE CRIANÇA (DICA DE LEITURA)

A dica de leitura de hoje é COM OLHOS DE CRIANÇA, de Francesco Tonucci. Essa é daquelas leituras para se revisitar muitas e muitas vezes. É um dos livros que tenho sempre por perto e que me ajudam a pensar e repensar a infância.

“Com olhos de criança” é um livro divertido e profundamente reflexivo, onde Francesco Tonucci escolheu o caminho da fantasia para abordar temas importantes e questões fundamentais sobre o universo dos pequenos. Nele, o autor reúne mais de dez anos de desenhos dedicados a pensar e fazer pensar o mundo das crianças.

Este pequeno livro, escreveu Mario Lodi, tem “um efeito tônico e desintoxicante”. Nele, Tonucci faz uma bela “crítica dos problemas básicos (da infância), livrando-os de suas incrustações intelectualizantes e instrumentais e faz com que sejam vistos ‘com olhos de criança’, sob o ângulo das necessidades concretas de liberdade de expressão e convivência social, que são também necessidades de homens livres”.

Penso que para compreender a “coerência da incoerência que sustenta a escolha” de Tonucci para compor essa obra, é preciso não apenas olhos de criança, mas disposição para criançar.

TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre (RS): Artmed, 1997. 


 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

QUEM TEM MEDO DA CUCA?!

 

Crianças pequenas, de um modo geral, gostam de cantigas de acalanto, mesmo aquelas que trazem histórias de medo, como “boi da cara preta” e “nana nenê”. Crianças também gostam de histórias de monstros e bruxas, especialmente quando são contadas por adultos que lhes imprimem segurança.

Cantigas e histórias narradas podem oferecer aos pequenos, de um modo seguro, uma aproximação com experiências de medo, perda, ou dor. Pois, aquele sentimento que já foi sentido, ou poderá vir a ser, é ali vivenciado num espaço protegido, onde sentimentos reais são despertados através da imaginação. Histórias e canções de acalanto são como aquelas vacinas com pequenas porções de vírus, que informam ao nosso organismo que aquele ser existe, nos deixando melhor preparados para enfrentá-lo quando ele tentar nos atacar no mundo real.

É fundamental, no entanto, para este efeito terapêutico (chamo aqui de terapêutico aquilo que promove o bem estar) das cantigas e histórias, que os adultos transitem por elas de modo responsável, buscando criar, a partir da experiência compartilhada com os pequenos, uma relação de confiança e um espaço de segurança.

Muitos adultos, porém, usam cantigas, histórias e experiências cotidianas, para promover o medo. Crianças não tem medo de bruxas porque as bruxas são más, mas porque quem lhes contou estas histórias, não lhes comunicou segurança. Do mesmo modo, crianças não nascem tendo medo de dentista ou de tomar vacina. Elas aprendem a ter medo porque muitos adultos dizem: “se tu não te comportar, vou mandar essa moça te fazer uma injeção”. Cria-se uma narrativa assustadora para uma experiência desconfortável e isso gera medo e ansiedade.

No mundo da pós-verdade, andamos a ter muita dificuldade em diferenciar realidade de ficção. Sobram informações e falta interpretação de texto e contexto. Faz um tempo que temos andado de marcha à ré rumo ao futuro. Há quem questione a ciência, simplesmente porque não querer compreendê-la. Pensar não dói, mas desacomoda. Um mundo fundamentalista e dogmático é mais fácil de ser digerido, pois não há o que questionar, apenas certezas a seguir.

Andam a dizer por aí que tomar vacina altera nosso DNA, que a vacina vai provocar malformações em nossos corpos, causar doenças, nos robotizar, nos transformar em animais. Tudo isso seria divertido em uma história de ficção, mas a COVID-19 é real. A vacina é a luz no fim do túnel, num túnel que parece não ter fim. Fico pensando se não faltou ficção para toda essa gente que anda por aí a duvidar da realidade.

domingo, 31 de janeiro de 2021

COMPRE MENOS BRINQUEDOS E BRINQUE MAIS COM SEUS PEQUENOS

É comum que os adultos, para acarinhar, ou suprir suas ausências, comprem muitos brinquedos para seus pequenos. Mas, brinquedo nenhum assegura o brincar. Até porque, as crianças não precisam de brinquedos para brincar, elas brincam com o próprio corpo, com suas vozes, com pedrinhas, pedacinhos de madeira, barro, conchas, panelas, talheres, brincam com tudo e com nada.

 Tudo pode ser brinquedo, se for brincado. E, um brinquedo caro pode ser apenas um belo objeto de decoração, se for deixado na prateleira.

O mais importante na brincadeira não é o brinquedo, mas o brincar, o verbo, a ação. O brincar compartilhado é fundamental para estabelecer bons vínculos afetivos, para criar significados, encontrar sentidos, desenvolver as linguagens e múltiplas aprendizagens.

Muitos brinquedos sonoros, cheios de recursos, letras e números não asseguram nem o brincar, nem a aprendizagem, pois os símbolos que estão ali representados podem não fazer o menor sentido para a criança.

Aprendizagem não é um processo intelectivo apenas, é sensorial, motor, afetivo e simbólico. Quem aprende é o corpo. É através do corpo que as informações chegam ao cérebro e é por meio dele que as respostas cognitivas, motoras, sensoriais, são manifestadas.

Se queremos que nossos pequenos aprendam e se desenvolvam, é importante brincar, cantar, dançar, contar histórias, dar colo, passear, conversar. Comprar lindos brinquedos não substitui nenhuma destas ações.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

ALONGAR OU MOVIMENTAR: UMA QUESTÃO PARA PENSAR

 

Nossos músculos encurtam por diferentes razões, a mais comum talvez seja o desuso. Quando, por alguma razão, nos movimentamos pouco ou nos mantemos muitas horas numa mesma posição, nossos músculos encurtam.

Pessoas com comprometimento neuromotor (Paralisia Cerebral, AVC, Traumatismo Craniano, Lesão Medular, processos inflamatórios, entre outras agressões possíveis ao Sistema Nervoso), costumam ter sua mobilidade reduzida. Desta forma, seja pela limitação ou dificuldade em usar seus músculos, ou pelo desequilíbrio no nível de tensão dos músculos (tônus muscular), eles podem encurtar.

Muitos pacientes, familiares e até mesmo profissionais da saúde, acreditam que basta alongar o segmento encurtado para que a fibra muscular volte a recuperar seu tamanho e elasticidade. Mas, vamos pensar juntos, se a razão do encurtamento é a falta de movimento, não é coerente pensar que além de alongar é preciso movimentar os grupos musculares acometidos?

As condutas passivas são muito bem vindas na neuroreabilitação, especialmente quando o paciente não consegue realizar movimentos ativamente. Mas, a meta, o norte, é sempre o movimento ativo. Melhoramos a mobilidade para melhor movimentar. É verdade que a recuperação do movimento pode aumentar o encurtamento. Por isso, alongar é preciso, mas movimentar também é.

Em neuroreabilitação nem sempre escolhemos isto ou aquilo. Muitas vezes, isto e aquilo são igualmente importantes. Movimentamos para ganhar força e evitar o desuso. Ao recuperarmos a força, o ganho de força pode causar encurtamento. Então, alongamos para melhor movimentar. Essa é a roda vida da neuroreabilitação.

* Imagem extraída da Cartilha de Cuidados Posturais e Estimulação do Desenvolvimento Motor em domicílio para bebês e crianças com atraso do desenvolvimento neuropsicomotor

Disponível no: http://www.telessaude.uerj.br/escola/docs/cartilha.pdf



quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O QUE É DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

Pensar o desenvolvimento humano, independente da perspectiva que se escolha, é pensar o corpo. Não se trata de ser biologicista, o fato é que o ser humano só é com um corpo. “Em síntese, o desenvolvimento do psiquismo humano, ou da mente humana, parte do corpo, é corpóreo, na medida em que o cérebro é um órgão do corpo e não o contrário”, diz Vitor da Fonseca.

Para compreender o que é Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) é preciso compreender o sujeito humano, enquanto um sujeito biopsicossocial, que pensa, sente, se relaciona, se emociona e se movimenta.

Mesmo antes de nascer o bebê já se movimenta dentro da barriga da mãe. Quando ele nasce, passa a perceber o mundo através de seus órgãos do sentido. Seus movimentos, logo que nasce, são todos reflexos. Mas, na medida em que os dias passam, ele vai percebendo o toque, a luz, os sons e novos movimentos vão surgindo. Seu cérebro vai fazendo relações, estabelecendo novas conexões (sinapses). A isso chamamos aprendizagem.

Nesta perspectiva, é impossível compreender o ser humano e seu desenvolvimento, por partes, como um quebra-cabeça. As aprendizagens motora, cognitiva, afetiva, social, sensorial, são indissociáveis. O desenvolvimento humano, assim como o amadurecimento de seu sistema nervoso, é absolutamente complexo e integrado. Sendo assim, pensar no desenvolvimento da criança, olhando apenas para seus aspectos motores é percebê-la de modo fragmentado e, portanto, incompleto.  O desenvolvimento infantil, é neuropsicomotor e também social, afetivo e simbólico. 

 

domingo, 25 de outubro de 2020

O SENTIDO DO CUIDADO É PARTE DO QUE NOS TORNA HUMANOS

Bebês humanos são ao mesmo tempo frágeis e potentes. Todo bebê recém-nascido e também a criança, ainda que plenos de saúde e vitalidade, necessitam dos cuidados básicos de alimentação e higiene, para sustentar a vida em seu corpo biológico.

Outros animais, especialmente os mamíferos, também cuidam de suas crias. Mas, apenas os humanos dão sentido ao cuidado, ao carinho e à existência de seus filhotes. A fragilidade de nossos filhotes é parte do que nos torna humanos. É no cuidado que ensinamos e aprendemos a tocar, olhar, ouvir, falar, sentir, ser.

Mesmo aqueles que não tem filhos, foram um dia filhos, netos, afilhados, sobrinhos de alguém. Vitor da Fonseca, psicomotricista português, diz que no desenvolvimento humano “o biológico não se opõe ao social, os dois fatores não se reduzem um ao outro, não são sequer incompatíveis. O biológico e o social coexistem dialeticamente”. 

Pensar o desenvolvimento da criança exige dos profissionais da saúde e da educação, olhar ampliado e pensamento complexo, de modo que seu pensar e seu fazer profissional se apoiem numa compreensão ampliada, e não fragmentada, do humano. 

Léla Mayer 


 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

DIREITO À DIFERENÇA (SEMANA NACIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA)

Parece tão batido falar em combater o preconceito e a discriminação. E, de fato, não seria necessário combatê-los, se não existissem pessoas preconceituosas, que discriminam outras pessoas por sua crença, raça ou condição. Mas, como o desumano compõe o humano, são necessárias leis que assegurem, em alguma medida, o convívio entre os iguais na espécie, ainda que diferentes em suas características, credos e culturas.

Há 56 anos, de 21 a 28 de agosto, é celebrada a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. Mas, apenas em dezembro de 2017, foi sancionada a lei nº 13.585, que coloca esta data oficialmente no calendário nacional e a reconhece como um período não apenas festivo, mas também de reflexões e combate ao preconceito.

A lei diz que “as comemorações da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla visam ao desenvolvimento de conteúdos para conscientizar a sociedade sobre as necessidades específicas de organização social e de políticas públicas para promover a inclusão social desse segmento populacional e para combater o preconceito e a discriminação”.

Que maravilha seria a vida, se já tivéssemos compreendido que todos somos iguais em direitos, ainda que diferentes em condições de observar e perceber o mundo e aprender com nossas experiências, ainda que desiguais nos modos de andar pela cidade, de frequentar a escola e o trabalho, de exercer a cidadania. Mas, ainda olhamos para o diferente com estranhamento, medo e até desprezo, como se o diferente de mim, fosse um alienígena.

Alteridade trata das relações com o outro, sendo descrita como uma qualidade que se constitui através de relações de contraste, onde eu me distingo e diferencio do outro e o reconheço como diferente de mim. Mas, é preciso, antes de tudo, reconhecê-lo, como sujeito único, que diferente de mim, faz com me torne único também, em potencialidades e limitações.

A luta das pessoas com deficiência é uma luta por igualdade de direitos. Pelo direito de locomover-se, de estudar, de aprender, de trabalhar, de ser reconhecido em suas potencialidades e não apenas em suas limitações.

Neste ano de 2020, o tema da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla é “Protagonismo Empodera e Concretiza a Inclusão Social”. Um tema que não poderia ser mais apropriado para lembrar esses 56 anos de luta pelo protagonismo da pessoa com deficiência. Estamos ainda engatinhando, que possamos seguir em frente, de cabeças erguidas, andando juntos, de mãos dadas, mas cada um do seu jeito, com sapatos, tênis, bengalas ou cadeiras adaptadas.