terça-feira, 8 de outubro de 2019

O QUE NOS TORNA HUMANOS É O CUIDADO


O cuidado é o que nos torna humanos. Diferentes dos outros animais, somos uma espécie que necessita do cuidado do outro por muito, mas muito mais tempo. Os outros animais tem linguagem mais restrita que a nossa, não chegaram a produzir tecnologias tão avançadas como as que produzimos, mas se tornam independentes da mãe muito antes que qualquer ser humano. Somos bebês e crianças por muito tempo, necessitamos de um cuidado que demanda atenção, carinho, tempo e investimento. Esse modo de ser é que faz com que nossos laços tornem-se muito mais estreitos que os dos outros animais. É esse cuidado que nos diferencia, que ajuda o nosso corpo a aprender habilidades tão distintas e a ser tão cheio de possibilidades e potências.

Como diz a bela canção de Paulo e Zé Tatit, “o peixinho quando nasce não precisa de cuidado nenhum, nenhum. Ele logo sai nadando, ziguezagueando no mar azul, sem medo nenhum”. O bicho homem, porém, é demorado, “dá um bocado de trabalho danado. Nunca é bastante, toda hora a todo instante, precisa de muito cuidado. Cuidado, para aprender andar. Cuidado, pra não se machucar” e mais um tantão de cuidado pra vida levar.

Cuidar, estimular, acreditar, incentivar, aprender e ensinar mutuamente, isso é o que torna o bicho homem tão especial.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

NÃO SOMOS ROBÔS


Vivemos um tempo onde com um toque na tela estamos cercados por muita gente e de ninguém ao mesmo tempo. O dito popular “longe dos olhos, perto do coração”, nunca foi tão verdadeiro. É bem menos trabalhoso amar à distância. De longe as palavras saem mais fácil e também conseguimos projetar melhor a ideia que temos de outra pessoa. Virtualmente, aos nossos olhos, o outro se torna muito mais parecido com o que desejamos que ele seja, do que ele realmente é.
Mas, se é verdade que de longe é mais fácil amar, ou admirar alguém, odiar também é. Não por acaso vemos todos os dias pessoas destilando seus preconceitos e suas mágoas nas redes sociais. É muito mais fácil odiar com distância suficiente para não sofrer uma agressão física. É mais confortável dar opiniões com distanciamento suficiente para não se responsabilizar pelas consequências das mesmas.
É fato que vivemos tempos de virtualidades e que essa é a nova tendência mundial. Mas também é fato que nos tornamos humanos na convivência com outros humanos. Aprendemos a falar, ouvindo pessoas conversar. Quando crianças, aprendemos, na escuta do diálogo, que há tempo para falar e tempo para calar, que existem diferentes entonações para expressar, através da voz, diversos sentimentos.
É na convivência com outros humanos que percebemos nossa singularidade e nos constituímos enquanto sujeitos. Foi no brincar que aprendemos o movimento, que possibilitou outras aprendizagens. Foi na partilha dos brinquedos e dos materiais escolares, que aprendemos a ser menos egoístas. É nas rodas de conversa, com pretexto de tomar chimarrão ou cafezinho, que resgatamos as memórias que nos lembram quem somos. Afinal, somos aquilo que lembramos sobre quem somos.
Não somos robôs. Nossa memória não é um chip. Nosso corpo não é um gabinete que protege uma Unidade Central de Processamento (CPU). E nosso cérebro não é uma CPU, que armazena informações transcritas. Somos organismos vivos, aprendemos pela experiência vivida e compartilhada e não por transferência de dados.
Nós não nascemos humanos, nos tornamos humanos no convívio cotidiano e real com outros humanos. Este aprendizado se dá por muitas vias. Para aprender precisamos ver, sentir, tocar, cheirar, ouvir. Relações virtuais são interessantes, mas não substituem um abraço e todos os sentidos que ele estimula e faz transbordar em nós. Neste sentido, abraçar - demorada e amorosamente - e acolher o abraço, são atos que nos tornam potencialmente melhores.


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

PARADOXOS

Assim está escrito no Aurelinho (minidicionário da língua portuguesa brasileira): Pa.ra.do.xo sm. 1. Conceito que é ou parece contrário ao senso comum. 2. Absurdo. 3. Filos. Afirmação que vai de encontro a sistemas ou pressupostos que se impuseram como incontestáveis ao pensamento.
Em 1994 Gilberto Gil escreveu sobre o paradoxo de uma novidade que “veio dar à praia, na qualidade rara de sereia [e que tinha] / Metade o busto de uma deusa Maia/ Metade um grande rabo de baleia”. Dizia ele que “A novidade era o máximo/ Do paradoxo estendido na areia/ Alguns a desejar seus beijos de deusa/ Outros a desejar seu rabo pra ceia” . Gil é genial com suas palavras que brincam ao olhar para as maluquices do mundo contemporâneo, nos fazendo pensar sobre outros tantos paradoxos.
A quarta semana do mês de agosto desperta em mim sentimentos e pensamentos que podem parecer paradoxais, mas que são absolutamente complementares. Entre os dias 21 a 28 de agosto, acontece a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, com o objetivo de abrir debates e colocar a sociedade em reflexão sobre questões que envolvem inclusão e igualdade de direitos e oportunidades.
Todos os anos, durante a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência, é celebrado também o Dia do Folclore. E qual a relação entre o Dia do Folclore e a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência? Eu poderia responder que nenhuma. Mas, você já reparou que muitos dos personagens de nosso folclore brasileiro trazem em seus corpos marcas distintas, que aqui no mundo real chamamos de deficiências? Ao Saci falta uma perna, à Mula sem Cabeça falta a cabeça, o Curupira tem os pés voltados para trás e a Iara um rabo de peixe.
A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência e o Dia do Folclore não tem relação direta. Mas poderiam ter, na medida em que ambos nos chamam à reflexão para lembrar daquilo que nos torna verdadeiramente humanos, a memória, o respeito, a empatia e o cuidado.
Ao falar sobre o paradoxo da sereia, Gil ainda escreveu: Ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual/ De um lado este carnaval, de outro a fome total E se fôssemos capazes de sonhar e criar um mundo menos desigual, com mais respeito e empatia entre todos os seres? Talvez, se acreditássemos nas pessoas como as crianças pequenas acreditam nos seres fantásticos, sem questionar suas potencialidades, apesar de suas diferenças físicas, fôssemos capazes de aprender mais uns com os outros e fazer mais uns pelos outros.